domingo, 6 de fevereiro de 2011

Eva Anna Paula Braun

Imagino o que você deve estar pensando. Sei também o motivo desses pensamentos e suas conseqüências. Por isso, peço apenas que tenha um pouco de paciência e esqueça seu senso humanista por alguns instantes. Isso irá ajudá-lo a compreender – ou não – meus motivos. Talvez se eu começar a história pelo fim você consiga se familiarizar melhor com os fatos.

Caminhei por um longo corredor visando à porta entreaberta que me esperava pouco convidativa. Meus passos ecoavam longamente por toda a extensão do lugar e os cacos de vidro quebrando no chão deixavam aquela cena ainda mais assustadora. Passei a encurtar o passo à medida que chegava mais perto de meu destino: a sala particular do Führer. Parei em frente dela com a hesitação costumeira que insistia em aparecer nas piores horas, mas alguma coisa dentro de mim assegurava que eu teria que encarar os fatos, até porque, até aquele momento, eu já havia enfrentado coisas inimagináveis para estar ali. Alcancei a maçaneta e entrei na sala tentando esconder o meu nervosismo.
- Que bom que veio. Sente-se.
Foi o que fiz. Ele pronunciou aquelas palavras sem nem ao menos olhar para mim, como eu se fosse um mero garoto recém saído da Juventude Hitlerista. Tudo bem, já deveria ter acostumado com esse tipo de tratamento, afinal, ele era o Führer – a pessoa mais importante de toda a Alemanha, líder supremo de um povo que, até então, desacreditado de seu potencial, depositara toda a confiança em um homem que prometera uma vida digna aos que apresentavam potencial para isso. Um homem que doara sua vida a uma nação deveria ser perdoado pelas maneiras pouco sentimentalistas que demonstrava.
- Traudl parecia feliz quando me disse que o senhor queria me ver.
Houve uma pausa constrangedora na sala e eu sabia qual era o motivo. Há meses que ele me pede para que eu o trate pelo nome. Obviamente é o meu maior desejo, mas mesmo assim não o faço. Foi a forma mais prática de lhe chamar a atenção – e prendê-la em mim – enquanto me explica que essas formalidades não são mais necessárias. Fora que isso também serve como uma forma de protesto a conversa que tivemos na semana passada, onde expus a minha vontade de firmarmos nosso relacionamento. Como sempre, sua resposta veio cheia de “eu sou o que a Alemanha necessita”, “tenho de me concentrar exclusivamente na nação enquanto a guerra não acabar” e outras desculpas costumeiras.
- Realmente, Traudl ficara feliz com a notícia que contei. Creio que também ficará contente com o que tenho a dizer.
Outra pausa. Seus olhos ainda não levantaram dos papeis de sua mesa e isso me incomoda um pouco. Milhares de possibilidades começam a brotar na minha cabeça numa tentativa infeliz de adivinhar o que ele quer me contar. Remexo-me na cadeira demonstrando minha ansiedade que foi percebida instintivamente por ele.
- Eu preciso saber de uma coisa antes, Eva. Preciso saber o porquê dessa sua insistência em querer acabar com o que resta de sua vida trancafiada nesse lugar, se acha que vale realmente a pena se sacrificar por isso...
Encarei-o incrédula por ouvir tais palavras. Então quer dizer que depois de catorze anos demonstrando meus sentimentos, deixando de lado muitas vontades, pessoas, depois de enfrentar minha família e muitas esposas ditas exemplares de outros oficiais do partido, ele ainda tinha dúvidas sobre meus atos?
- Mein Führer – Levantei-me num gesto rápido, deixando claro o quanto desgostosa aquela conversa havia me deixado. – Creio que se o senhor não acredita em meus sentimentos, não há mais nada o que fazer aqui.
Sei que fui dura com ele. Sei também que essa atitude me renderia noites e noites em claro me amaldiçoando por ser tão impaciente... Mas o que mais eu teria que fazer para ele acreditar em mim? Morrer?
- Com sua licença, Mein Führer. – Pensei seriamente em despedir-me com a saudação Nazista, mas estava com meu orgulho ferido demais para tal. Sai sem olhar para trás.
Passei novamente pelo já conhecido corredor cheio de cacos de vidro com uma sensação estranha no peito. A respiração irregular somada as batidas desordenadas de meu coração entregavam a quem quisesse ver o que estava se passando comigo naquele momento. Olhei para Traudl que castigava – literalmente – sua máquina de escrever quando ela parou instantaneamente o que fazia para me encarar. Seus olhos transmitiam uma ternura perturbadora, como se quisesse me passar tranqüilidade naqueles tempos difíceis.
- Precisa de alguma coisa, Fräulein Braun?
- Não Traudl. Estou bem.
Segui os vários corredores até meu aposento pessoal e tranquei-me lá. Esse gesto já era conhecido meu por tanto tempo... Lembro-me de meu pai comunicando-me que seria transferida a um convento e dos protestos que fiz – todos insuficientes para que mudasse de decisão – e lá estava eu, trancada em meu quarto, chorando como uma condenada a forca... Muitas vezes pensei que esse modo de encarar os desafios que a vida me propôs era covarde demais para alguém que quisesse ser a mulher mais importante da Alemanha, mas era a única forma que eu conhecia... Desde sempre esse foi o jeito mais fácil de continuar trilhando meu destino sem que precisasse tomar decisões perigosas. Eu sabia me acomodar e isso era bom para mim.
Ainda deitada e com os olhos inchados de tanto chorar, ouvi batidas rápidas, mas decididas na porta. Por um momento pensei em deixar que batessem até se cansar, mas minha curiosidade foi maior e decidi atender. Presumia que quem quer que fosse o responsável por me tirar daquela cena dramática com minhas lágrimas teria pelo menos a decência de me dizer algumas palavras encorajadoras ou qualquer tipo de apoio que eu já estava acostumada a receber, mas, ao invés disso, a única coisa que vi foi o homem responsável pelo meu estado depressivo. Olhar aquela imensidão azul de seus olhos era o mesmo que tentar decifrar a vontade do oceano em esconder as mais belas criaturas em suas profundezas. Diferente dos meus, que despejavam desencantamento em cada pedacinho da retina...
- Case-se comigo, Eva.
- Como?
- Uma mulher que ficou ao meu lado durante catorze anos e mesmo agora... Bem, mesmo agora, na atual situação em que a guerra se dirige, continua ao meu lado deve ter esse privilégio.
Eu não conseguia acreditar naquelas palavras. De certo estava sonhando entre meus lençóis de seda com o Führer – o meu Führer – pedindo-me em casamento.
- Adolf...
- Esse não é seu desejo? Continuar comigo para sempre?
- Meu desejo? Eu nutri um amor que só aumentava com o decorrer dos anos... – Comecei a chorar novamente, só que dessa vez, minhas lágrimas eram de pura alegria e eu não estava preparada para escondê-las. – É óbvio que eu quero me casar com você, Adolf!
O que aconteceu depois? Se você leu alguma coisa sobre o fim do Terceiro Reich, com certeza deve saber como isso terminou. Se não, ai vai um breve resumo...
Adolf e eu nos casamos com urgência no esconderijo em Berlim. Eu estava trajando um vestido de seda azul lindíssimo e assinamos o contrato matrimonial com os olhares atentos de Goebbels. Para encurtar a história, um dia depois do casamento, logo após cumprimentar todos os remanescentes do Bunker, eu e meu marido nos dirigimos ao nosso quarto e, cumprindo meu juramento de fidelidade, abri um pequeno frasco que continha o símbolo de minha palavra e bebi todo o cianureto de uma só vez. Meu marido e eu estávamos começando nossa caminhada em direção a eternidade – tanto no longo caminho de nossas almas quanto na História – e deixando na terra o que mais desejávamos em vida. Adolf, o poder. Eu... Reconhecimento.  



N.A.:

Olá pessoas, gostaria de primeiramente agradecer por ter lido até aqui e de avisar que essa história é a minha visão sobre a vida de uma das mulheres mais enigmáticas da História. Se alguém, porventura, quiser protestar sobre alguma coisa que escrevi, sinta-se a vontade.

Tradução de algumas palavras e apresentação de alguns personagens citados até aqui:

Adolf Hitler: Bom, esse eu nem preciso escrever muita coisa, pois o nome já faz isso sozinho...

Eva Braun: Baseei-me no livro A História Perdida de Eva Braun, de Angela Lambert, que conseguiu escrever o livro que eu sempre quis escrever *inveja* hsuahsuahusa Brincadeira. Recomendo a todos que quiserem saber mais da vida dos Braun. Eva foi, sem dúvidas, a mulher que mais me chamou a atenção na História. Talvez pela falta de documentos sobre sua vida ao lado do homem mais odiado do mundo ou por simples curiosidade em saber como alguém pode desistir de seus sonhos para viver ao lado de uma pessoa que deixara bem claro que não iria se casar para manter sua imagem de “esposo da Alemanha” – casamentos naquela época eram importantes para as mulheres... Eu odeio essa frase em particular.

Traudl Junge: Secretária pessoal de Hitler e co-autora do livro Até o Fim, que conta alguns detalhes dos últimos dias do Führer em seu ponto de vista.

Josef Goebbels: Ministro da propaganda Nazista. Ele era bem próximo de Hitler e há boatos de que sua esposa era meio “apaixonada” pelo Führer – tuuuuuudo especulação. Ontem, por exemplo, li que Magda Quandt (esposa) casara-se com ele para ficar mais próxima de Hitler. Fofoca histórica mode on.  

Mein Führer: Ta, eu sei que não precisa, mas mesmo assim vou traduzir: Meu Guia, líder.

Fräulein: senhorita. Olha, coloquei senhorita pelo fato de Eva ser solteira até aquele momento em que falara com Traudl.

Esse é mais um momento WTF. Desconsiderem.  

Um comentário:

  1. Ah q foda... Tive que pesquisar pra ver se esse tal de cianureto matava. E achei na wiki uma parte que diz "Suicídio de personalidades históricas" e aí aparece o Führer como especulação, a Eva, o Goebbels e a Blondi! Só que isso é ridículo, pq foi o Hitler q matou ela não foi? Então como assim, suicídio? E como assim, uma cadela cometendo suicídio? Enfim... Q estupidez indignar-se com a wiki.

    Muito massa o texto, belo romance histórico. Muito suspense, bem legal. Eu só preciso dizer que.. Não sei, talvez seja só por causa da leitura na internet, mania de instantaneidade e tals, mas aquela parte das batidas na porta ficou meio que suspense demais! Sei lá.. E instintivamente a gente vê a linha de diálogo ali embaixo e foi impossível não abandonar o parágrafo no meio para ler o "Case-se comigo, Eva."

    Enfim, muito bom. Deu pra sentir mesmo. x]

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